Sunday, September 19, 2004

John Ford


“A música de um compositor devia expressar a terra em que nasceu, os seus casos amorosos, a sua religião, os livros que o influenciaram, as imagens que ama. Deveria ser a soma total das suas experiências.” – Sergei Rachmaninov

John Ford é por excelência um ser humano que conseguiu transparecer na sua obra esta individualidade colectiva reflectida de forma ímpar nos seus filmes, quando vemos um filme de western vislumbramos John Ford nas imagens. Na estrutura narrativa clássica dos seus filmes apercebemo-nos do seu íntimo tão próximo de todos nós.


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Sean Aloysius O’Feeney nasceu em 1895, em Cape Elisabeth, na costa sul do pequeno estado do Maine, filho de Sean e Barbara O’Feeney. Sean era ainda uma criança quando se mudou para a cidade de Portland, cidade na qual o seu pai iria ter um saloon. Em 1913, depois de sair do liceu, Sean descontente com a sua situação profissional como agente de publicidade de uma fábrica de sapatos, parte para Hollywood com apenas 18 anos. Ingressa no mundo do cinema através do seu irmão_ Francis Ford_ argumentista-realizador nos estúdios da Universal. O apelido Ford nasceu de um curioso episódio passado na Broadway quando Francis teve de assinar ao substituir um actor com esse apelido, mas existe outra versão na qual o apelido se deve a uma homenagem ao dramaturgo Isabelino Britânico, assim Sean O’Feeney começou a responder por John Ford.
Assim começou John Ford a trabalhar na Universal, com o nome de Jack adaptação corrente nos países Anglo-Saxónicos de John.
Em 1914, Hollywood com apenas 3 anos de existência encontra-se em constante evolução, o rancho de Mrs Wilcox está agora transformado em múltiplos estúdios, armazéns, oficinas, casas e bares, um imenso terreno de urbanização selvagem e febril, onde chegavam cineastas de todo a América de forma a escapar aos “trusts”, aos impostos, aos ambientes fechados de New York ou Chicago sendo assim criados os alicerces da futura indústria cinematográfica.
Alguns nomes assumem papel de relevo entre estes reconhecidos génios pioneiros: David Grifith, Thomas Ince, Erich Strohein. A indústria do cinema conquista o mundo a um ritmo alucinante, em breve numa pequena cidade com apenas 25 000 habitantes, Hollywood, iria ser inaugurada a famosa “Universal City” capaz de albergar 30 produções no mesmo espaço de tempo.
É neste ambiente de crescimento e frenesim optimista que John Ford com apenas 19 anos se movimenta entre os grandes pioneiros do cinema mundial, envolto num mar de novas ideias e descobertas cinematográficas, adapta-se a situações distintas desde assistente a aderecista passando por escritor e actor ocasional.
Presume-se que o seu primeiro trabalho foi numa série de episódios intitulada “Lucille Stop”, dirigida pelo seu irmão Francis na qual trabalhou como aderecista.
Numa época em que era preciso cada um desdobrar-se por múltiplas tarefas, John Ford seria um autêntico “homem dos 1001 ofícios”, o seu árduo trabalho reflecte a sua força de alma, competência e carácter profissional, características presentes em toda a sua obra.
John como já havia referido, entrou em contacto com os génios pioneiros da altura, foi com Grifith no seu filme “Birth of a Nation”, que ainda hoje é referenciado como exemplo, que John Ford participou como actor e teve o seu primeiro contacto com Grifith fazendo a seguinte afirmação ”Se Grifith não tivesse existido, ainda estaríamos hoje na fase infantil do cinema. Descobriu tudo, inventou o grande plano e uma série de coisas que ninguém tinha pensado antes. Grifith transformou o cinema em arte”.
John Ford com apenas 25 anos já havia dirigido por volta de 50 filmes, foi em 1917 que assinou a sua primeira película de seu nome “The Tornado” um western, o espaço da acção é bravio e não totalmente civilizado, é curioso o facto de John Ford antes de ter dedicado a sua vida ao Western já havia criado inconscientemente o seu mito ao dominar o cavalo como actor em “Birth of a Nation”. Foi assim o western o género exacto para John expressar o seu talento, o seu estilo, a sua visão do mundo, tal como o próprio disse ao usar a palavra western no duplo sentido “Sou um homem de cultura western.”
Muitos dos filmes que John Ford trabalhou eram rodados numa semana, com a equipa a dormir em sacos de campanha, levando consigo os cavalos e todo o material necessário à rodagem regressando já com o filme acabado.
Apesar de todos os filmes serem rodados em torno do mesmo ambiente “western” é curiosa a variedade dos argumentos, e a mistura de vigor, humanidade e sentido de paisagem, pilares presentes nos filmes de John Ford tal como salientam as primeiras críticas publicadas no “Exhibitors Trade Review” – “é este o género de filme que Henry Carey e Jack Ford fazem melhor que qualquer actor e director em todo o mundo”.
Ford troca os estúdios da Universal pela Fox, é lá que dirige “Just Pals” durante uma década. John Ford dirige cada vez menos filmes western, seguindo o caminho do melodrama como é o caso do filme “The Village Blacksmith”, 1922 e “Hoodman Blind”, 1923. Nesta fase da sua carreira Ford tem 28 anos, e uma experiência que transparece nas suas películas todo seu estilo juvenil, e as suas movimentadas aventuras surgem agora de forma mais madura e pensada que ultrapassa a tradição directa dos seus primeiros filmes sendo o “O Cavalo de Ferro” o filme marco deste ponto de viragem na sua carreira, neste filme Ford torna-se um especialista no enquadramento do homem na paisagem. Este enquadramento físico da acção funde o facto histórico com o gesto humano: transformador, individual ou colectivo. Se o “O Cavalo de Ferro” é a abertura do género à saga consciente que tornará Ford em algo mais criativo do que apenas um “fazedor” de westerns, “Três Patifes” representa um conflito ético desenvolvido na acção, ideia mestra de toda a sua obra, reflexão sobre o sentido da vitória moral que nasce da aparente derrota humana. Assim sendo pode-se considerar o primeiro como um épico e o segundo uma obra que conduz ao sentido poético, mais intimista.
Em suma o seu universo cinematográfico torna-se intrinsecamente ligado aos significados essenciais, às linhas puras onde o tempo e o modo tornam-se mais importantes do que as coisas, a visão é total e definitivo triunfo sobre a limitação técnica, o artifício consegue ultrapassar-se identificando-se com a arte. Nada sai deformado ou diminuído, as figuras vivem naturais e espontâneas, todos os locais estão próximos, todo o movimento é traduzido num enquadramento cinematográfico singular e ideal. O cinema de John Ford aproxima-se de pintura em movimento “Moving Picture” e é neste vasto quadro que se liberta toda a sua sensibilidade poética que coincide com o acto criativo.

Tuesday, September 14, 2004

Il Postino

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“E foi nessa idade...Que a poesia me procurou. Não sei de onde.

Veio do Inverno, ou de um rio

Não sei como, nem quando.

Não, não eram vozes, não eram palavras, nem silêncio.

Mas fui intimidado por uma rua, pelos ramos da noite.

Abruptamente, entre os outros, entre violentos fogos ou regressando sozinho.

Ali estava eu sem rosto

e ela tocou-me”

Pablo Neruda

O amor é a essência, e a poesia a semente, Mario Ruopollo, filho de um pobre pescador que o pressiona a arranjar emprego, recebe uma carta dos seus dois irmãos que emigraram em busca de melhores condições de vida. A perspectiva de melhores condições de vida no exterior atrem-no, mas é nesta pacata ilha Italiana_Capri_que Mario desabrocha para as maravilhas do seu universo e desenvolve o seu espírito crítico para situações que visam a exploração social dos habitantes da ilha.

É através do cine-jornal que chega a notícia que Pablo Neruda_poeta do povo_ em consequência da sua militância no partido comunista Chileno é expulso do seu país e decide pedir exílio a Itália. Seduzido pelo mar, Neruda e a sua amante Matilde Urrutia optam por uma casa na ilha de Capri. É nesta casa que Mario irá travar conhecimento com Neruda e aguçar a sua sensibilidade poética.

Com a chegada a Capri de Pablo Neruda, o chefe da estação de correio local contrata um carteiro— Mario Ruopollo que todos os dias irá com a sua bicicleta entregar as cartas dirigidas ao poeta e gradualmente estabelecer uma relação de amizade que lhe irá abrir novos horizontes e marcar a sua vida irremediavelmente.

É na tasca local, ponto de encontro da ilha, que Mario vislumbra o Amor, pela primeira vez, num jogo de matraquilhos, o seu olhar perde-se na harmonia e volúpia de Beatriz, filha da rígida dona da tasca, deixando o jogo para segundo plano. Seduzido pela bela Beatriz logo procura Neruda, para este escrever poemas para a sua Beatriz, Neruda recusa e dá-lhe um caderno onde Mario poderá transpor a sua essência através dos seus próprios versos.

Beatriz seduzida pelos poemas e metáforas de Mario, é constantemente controlada pela sua mãe, Donna Rosa, que não aprova a sua relação, chega mesmo a ameaçar que se Mario continuar a procurá-la lhe dará um tiro. Todas estas nuvens tempestuosas irão ser dissipadas, Neruda como padrinho, Mario e Beatriz como noivos, toda a ilha comemora a união entre os dois, entretanto Pablo Neruda recebe a notícia pela qual ansiava desde que chegou, finalmente podia regressar ao seu país.

Passam-se anos e Neruda não mais dá notícias, torna-se então evidente o apego e a dependência inerente à condição humana, Beatriz e Donna Rosa criticam-no por este ter enviado uma carta impessoal a pedir que lhe enviassem alguns objectos pessoais. Mario relembra-se então de um episódio com o gravador no qual Beatriz dominava todos os encantos da ilha, inconscientemente vai gravar, com o intuito de relembrar ao seu camarada, todas as maravilhas intemporais da sua ilha pela última vez, acrescidas agora com o bater de coração de Pablito o seu futuro filho, o qual ainda irá conhecer o poeta chileno.

Paralelamente a esta história de amor desenrola-se outra, na qual Mario desenvolve valores sociais relacionados com o comunismo, entrando em confronto com o candidato a presidente que se irá aproveitar da ingenuidade do povo prometendo bens básicos de forma a obter votos. Mario fica conhecido no universo comunista e é convidado a recitar o seu poema, dedicado ao seu camarada Pablo Neruda, numa manifestação pró-comunista abate-se a negra nuvem da morte com a carga da polícia de intervenção.

Análise da Cena

Início ~ 1h27m36s

Duração ~7m

Fim ~ 1h34m36s

Surge um reflexo escuro no rio, através de uma panorâmica associada a um movimento de grua no sentido ascendente vislumbramos a imagem do andor segurado por Mario nessa noite, Nossa Sra das Dores, enquadrada num plano médio, surge como forte indice da fatalidade que se irá abater sobre Mario.

No intuito de ir buscar os objectos pessoais, Mario, enquadrado num plano americano, revisita a silenciosa casa de Pablo Neruda, silêncio apenas quebrado pelo abrir da porta. Segue-se um lento plano subjectivo de Mario, que capta no seu silencioso olhar, uma atmosfera envolvida num ambiente saudoso. Mario, surge imóvel enquadrado no mesmo plano americano de à pouco, apenas o seu olhar se havia deslocado. Através de um travelling à direita vê-mos Mario a caminhar em direcção ao gira-discos, quebra-se o silêncio, ouve-se o disco que Mario escolhêra. A música ilumina a memória de Mário transpodo-a para o plano físico, através de um plano de conjunto revêmos Neruda e Matilde a dançar, até serem ocultados pela parede da sala em direcção ao exterior. Através de um plano geral seguido de subjectivo, apercebemo-nos que Mario os havia seguido com a esperança que tudo fosse real, o olhar saudoso deste é transmitido através de um travelling à direita que percorre o exterior da casa até transparecer a saudade e vontade de um dia voltar a ver o seu companheiro.

Mario reentra em casa, enquadrado num plano inteiro desliga a música, regressa então o profundo silêncio, que apesar de ter sido quebrado sempre esteve presente ao longo deste flash-back. Deslocando-se no peso deste silêncio Mario, enquadrado num plano médio, aproxima-se da secretária de Pablo Neruda, a panorâmica no sentido descendente acaba no plano pormenor da sua mão que percorre vagarosamente os objectos que Neruda tinha sobre a secretária, parando sobre o gravador, Mario coloca a cassete gravada por ambos acariciando o gravador como se estivesse a sentir a presença do seu amigo. Enquanto a câmara enquadra um plano próximo da secretária e do gravador ouve-se a voz de Neruda como pano de fundo, Mario aproxima se da cadeira e fecha suavemente o livro de Neruda, senta-se no momento que ouve a sua voz, é numa lenta panorâmica para cima que se desenrola a cassete, o movimento de câmara acaba num zoom in até grande plano de Mario que sorri, pois relembra-se da maravilha da sua ilha: Beatriz Russo.

O ambiente e enquadramento do plano seguinte, é-nos dado a conhecer lentamente através de uma panorâmica à direita, Mario e o seu amigo, chefe da estação dos correios, estão a unir fios junto da secretária onde se encontra o gravador. Mario questiona-se se funcionará no exterior. Vislumbra-se realmente o que se passa com um plano geral, os dois testam e preparam-se para levá-lo para o exterior...

Os dois encontram-se à beira mar, o seu amigo encarrega-se da operação do gravador enquanto Mario grava. Plano geral seguido de uma panorâmica à direita descendente, desde o seu amigo até ao plano pormenor da mão de Mario a gravar a rebentação das “Pequenas Ondas na Caletta di Sotto”. É então classificada por Mario, enquadrado num muito grande plano, como a 1a maravilha da ilha.

No plano seguinte o seu amigo encontra-se a segurar o equipamento de gravação enquanto Mario grava a “Rebentação das Ondas Grandes” sobre as rochas, um pouco mais abaixo, de forma a aumentar a intensidade de som e o pormenor visual através de uma panorâmica descendente à esquerda aproximamo-nos da futura 2a maravilha da ilha, classificada de novo com um muito grande plano de Mario.

Mais uma vez o olhar da câmara dirige-se no sentido onde se encontra a maravilha a ser gravada, uma panorâmica para cima e à direita indica-nos que a 3a maravilha da ilha é o Vento nos Rochedos, indicada de novo por Mario, enquadrado num muito grande plano, que dirá qual será a 4a maravilha, no decorrer da gravação desta: o “Vento Sobre os Arbustos”.

O plano pormenor das redes a serem puxadas para o barco, e o seu barulho oco contra o casco do navio, remete-nos para a 5a maravilha: “As Redes Tristes do Meu Pai”.

O plano seguinte, transporta-nos para uma visão geral do campanário da igreja onde os sinos tocam e o padre pergunta se eles já conseguiram gravar o som dos sinos, é-nos assim dada a conhecer a 6a maravilha: “Campanário de N. Sra das Dores / com padre”.

A 7a maravilha da ilha: as estrelas que iluminam a noite, transmitida por um amplo plano geral, e pela atenta afirmação que muitos vezes não estamos atentos à beleza que nos envolve. Mário atribui-lhe o nome de “Céu Estrelado da Ilha”.

A maravilha seguinte é o som do bater de coração de Pablito, seu futuro filho, começando por um plano geral, seguido de uma panorâmica à direita até Beatriz e de outra para baixo até à cabeça de Mario, encostada na barriga junto ao “Coração de Pablito”, gravado como sendo a 8a Maravilha.


Saturday, September 11, 2004

Trailer

Friday, September 10, 2004

Movie Database

Jaime realizado por António Reis (1974)

A sensibilidade, a música como condutora visual, os desenhos de António Reis e os planos soltos do seu subconsciente transpostos para a curta-metragem expressam o seu interior, a sua visão da realidade. Sem polimentos ou máscaras António Reis dá-se a conhecer a si próprio numa perspectiva panóptica revelando o seu interior para si próprio e não para o público. Esta abordagem neorealista, tecida em torno da música, das imagens soltas do seu subconsciente, direccionada para a expressão artística indivídual remete-nos para um plano abstracto, único pela transmissão pura da realidade.
Penso que existiu uma preocupação na preparação do filme relativamente a montagem de planos, tratamento de imagem, o que contraria a tendência do cinema experimental de economia de energias. Esta preparação deve-se ao facto de que a realidade aqui transmitida é o próprio interior do criador e não a realidade que ele precepciona no seu dia-a-dia.
A liberdade de expressão, a correspondência directa da obra ao Eu recorrendo para isso ao seu interior, aos seus desenhos, sem se deixar corromper ou oprimir por valores sociais, estimulando assim a criação artística e filosófica, insere esta curta-metragem no polo experimental do cinema.